Hace unos años, investigando sobre literaturas africanas en lengua portuguesa descubrí a Conceição Lima, una de las voces poéticas más destacadas de Santo Tomé y Príncipe. En su poemario, O útero da casa, el flujo histórico es la fuerza motríz de la producción de los sentidos. De ahí la urgencia de representación de nuevos espacios y territorios que posibilitan la eclosión de identidades, hasta el momento, silenciadas.
El siguiente poema, “Afroinsularidad”, plasma de forma contundente el proceso de colonización intercalado con el proceso histórico y geográfico. A medida que la voz poética reconstruye la historia, procede a la lectura del legado dejado por el colonizador. Aunque lo preponderante en el poema son los valores de la cultura africana y la relación de las islas con África.
AFROINSULARIDADE
Deixaram nas ilhas um legado
de híbridas palavras e tétricas plantações
engenhos enferrujados proas sem alento
nomes sonoros aristocráticos
e a lenda de um naufrágio nas Sete Pedras
Aqui aportaram vindos do Norte
por mandato ou acaso ao serviço do seu rei:
navegadores e piratas
negreiros ladrões contrabandistas
simples homens
rebeldes proscritos também
e infantes judeus
tão tenros que feneceram
como espigas queimadas
Nas naus trouxeram
bússolas quinquilharias sementes
plantas experimentais amarguras atrozes
um padrão de pedra pálido como o trigo
e outras cargas sem sonhos nem raízes
porque toda a ilha era um porto e uma estrada sem regresso
todas as mãos eram negras forquilhas e enxadas
E nas roças ficaram pegadas vivas
como cicatrizes — cada cafeeiro respira agora um
escravo morto.
E nas ilhas ficaram
incisivas arrogantes estátuas nas esquinas
cento e tal igrejas e capelas
para mil quilómetros quadrados
e o insurrecto sincretismo dos paços natalícios.
E ficou a cadência palaciana da ússua
o aroma do alho e do zêtê d'óchi
no tempi e na ubaga téla
e no calulu o louro misturado ao óleo de palma
e o perfume do alecrim
e do mlajincon nos quintais dos luchans
E aos relógios insulares se fundiram
os espectros — ferramentas do império
numa estrutura de ambíguas claridades
e seculares condimentos
santos padroeiros e fortalezas derrubadas
vinhos baratos e auroras partilhadas
Às vezes penso em suas lívidas ossadas
seus cabelos podres na orla do mar
Aqui, neste fragmento de África
onde, virado para o Sul,
um verbo amanhece alto
como uma dolorosa bandeira.
Deixaram nas ilhas um legado
de híbridas palavras e tétricas plantações
engenhos enferrujados proas sem alento
nomes sonoros aristocráticos
e a lenda de um naufrágio nas Sete Pedras
Aqui aportaram vindos do Norte
por mandato ou acaso ao serviço do seu rei:
navegadores e piratas
negreiros ladrões contrabandistas
simples homens
rebeldes proscritos também
e infantes judeus
tão tenros que feneceram
como espigas queimadas
Nas naus trouxeram
bússolas quinquilharias sementes
plantas experimentais amarguras atrozes
um padrão de pedra pálido como o trigo
e outras cargas sem sonhos nem raízes
porque toda a ilha era um porto e uma estrada sem regresso
todas as mãos eram negras forquilhas e enxadas
E nas roças ficaram pegadas vivas
como cicatrizes — cada cafeeiro respira agora um
escravo morto.
E nas ilhas ficaram
incisivas arrogantes estátuas nas esquinas
cento e tal igrejas e capelas
para mil quilómetros quadrados
e o insurrecto sincretismo dos paços natalícios.
E ficou a cadência palaciana da ússua
o aroma do alho e do zêtê d'óchi
no tempi e na ubaga téla
e no calulu o louro misturado ao óleo de palma
e o perfume do alecrim
e do mlajincon nos quintais dos luchans
E aos relógios insulares se fundiram
os espectros — ferramentas do império
numa estrutura de ambíguas claridades
e seculares condimentos
santos padroeiros e fortalezas derrubadas
vinhos baratos e auroras partilhadas
Às vezes penso em suas lívidas ossadas
seus cabelos podres na orla do mar
Aqui, neste fragmento de África
onde, virado para o Sul,
um verbo amanhece alto
como uma dolorosa bandeira.
© Conceição Lima
De O Útero da Casa (2004)
AFROINSULARIDAD
Dejaron en las islas un legado
de híbridas palabras y tétricas plantaciones
ingenios oxidados proas sin aliento
nombres sonoros aristocráticos
y la leyenda de un naufragio en Sete Pedras
Aquí llegados del Norte trajeron
por mandato o azar al servicio de su rey:
navegantes y piratas
negreros ladrones contrabandistas
hombres sencillos
rebeldes también proscritos
e infantes judíos
tan tiernos que fenecieron
como espigas quemadas
En las naves trajeron
brújulas quincalla simientes
plantas experimentales amarguras atroces
un patrón de piedra pálido como el trigo
y demás cargamento sin sueños ni raices
porque toda la isla era un puerto y un camino sin regreso
todas las manos eran negras horquillas y azadas
Y en los campos quedaron huellas vivas
como cicatrices-cada cafeto respira ahora un
esclavo muerto.
Y en las islas quedaron
incisivas arrogantes estatuas en las esquinas
ciento y pico iglesias y capillas
para mil kilómetros cuadrados
y el insurrecto sincretismo de los palacios natales.
Y quedó la cadencia palaciega de la ússua[i]
el aroma del ajo y del aceite de oliva
en la olla de barro
y en el calulu[ii] el laurel mezclado con el aceite de palma
y el perfume del romero
y de la albahaca en los huertos
Y se fundieron con los relojes insulares
los espectros-herramientas del imperio
en un estructura de ambiguas claridades
y seculares condimentos
santos patronos y fortalezas derribadas
vinos baratos y auroras compartidas
A veces pienso en sus esqueletos lívidos
en sus cabellos podridos a la orilla del mar
Aquí, en este trozo de África
donde, orientado hacia el Sur,
un verbo amanece alto
como una dolorosa bandera.
© Traducción: Verónica Aranda